segunda-feira, 21 de março de 2011

CENSOS 40 Anos depois

Oficialmente começam hoje os censos da população e da habitação.
Por esta altura há quarenta anos, tinha eu saído da tropa há pouco tempo, casado, dinheiro certo só o que vinha do pequeno vencimento da companheira, então 3ª ou 2ª oficial dos SMAS, o restante vinha de actuações a fazer folgas no Casino Estoril, um ou outro trabalho que aparecesse na música, e nada mais. Entretanto, ajudava o meu pai na sua oficina. Eis que surgem os Censos da Habitação e da População de 1971, sabendo da minha disponibilidade e pensando que aquilo ia dar bom dinheiro, o Sr. Acácio Soares Faria, pessoa muito amiga do meu pai, e que me considerava como se fosse da família, ofereceu-me esta empreitada que aceitei de muito bom grado, com o meu amigo e companheiro da música Tó Gandara. Foi algo diferente de tudo o que até ali fizera, e enquanto o prometido emprego no Banco não chegava, lá fui bater de porta em porta, ajudar a preencher os papéis, porque era gritante o analfabetismo.
Duas imagens diferentes ficaram retidas para toda a minha vida:
- A primeira foi em Nafarros, uma família muito pobre e ao mesmo tempo desprovida de qualquer humanidade, tinha o pobre pai velho, a dormir numa capoeira rectangular.  Por baixo estavam galinhas, em cima uma barraca feita rectangularmente, onde só cabia uma pessoa deitada, sem pé direito, 60cm de altura o maximo. O senhor Acácio, era o represente da Junta de Freguesia, não sendo Presidente nem Vice, existia a figura do Cabo Chefe, ele era essa figura, e, determinou que a partir daquele momento o velhote teria que dormir em casa da família.

- Outra mais alegre, embora a ignorância e o analfabetismo não tenham muita graça, a ingenuidade da coisa faz rir.
Eu preenchi centenas de impressos, não ganhava mais por isso, mas que fazer quando as pessoas coitadas não sabiam ler, e algumas que sabiam estavam-se a borrifar para os papéis (à portuguesa), num desses papéis uma familia residente na Vila Velha (a mãe era a única pessoa que estava na habitação), eu estava a fazer-lhe as perguntas, e quando cheguei à pergunta de quantos filhos tinha, ou teve?, resposta:
-Oito vivos e quatro avoltos!
Eu fiquei petrificado, primeiro não percebi logo o que ela queria dizer, depois o meu cerebro começou a trabalhar a 100 à hora, para ver o que era o significado daquilo, com um esforço para manter a compostura, lá lhe disse a palavra certa interrogando; - Quer dizer com isso abortos, certo? Isso, isso!...
Fiquei sempre fã deste trabalho, entendo que é um dever de cidadania, mas sei que os resultados infelizmente, pela maneira de ser do nosso povo, vão sair adulterados.
Os censos da população e habitação, fazem-se de 10 em 10 anos.

1 comentário:

  1. O homem dos sete ofícios! Quando se quer trabalhar, trabalha-se, não é?
    Sabes o que mais me impressionou nestas tuas recordações? Quando dizes que o analfabetismo era gritante. O salto que se deu até hoje nesse âmbito foi imenso! E ninguém parace reparar nisso.

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